terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Milagre de Natal

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Final de novembro de 2000, numa terça-feira (quando ainda era chefe de tropa escoteira), passei na sede do grupo de escoteiros pra atualizar as fichas pessoais dos meninos. Coisas de rotina, anotar as atividades que participou, especialidades, número de noites acampadas... pra facilitar no processo das graduações de Classe, 'Escoteiro da Pátria', 'Lis de Ouro'.

Não lembro do que precisava, mas fechei a sede (com toda papelada espalhada nas mesas da sala da chefia) fui até o centro, na livraria comprar algo. Havia no PAC (Pavilhão de Atividades Culturais) uma concentração de alunos da Escola Luterana. Estavam organizando-se para a caminhada das lanternas até a escola onde haveria a festa de encerramento do ano.

Como a maioria dos escoteiros da minha tropa, estudavam nesta escola me aproximei, pra ver se encontrava alguém pra conversar (escoteiros ou pai/mãe)


Veio ao meu encontro, uma menina de treze anos (escoteira), do tipo rebelde sem causa. Costumava usar roupas estrânhas e tinha um comportamento agrecivo e debochado. Confesso que não simpatisava com ela. Evitava diálogos pois ela era do tipo que queria ter a última palavra. Sempre com frases prontas pra tentar te ridicularizar diante de todos. Usuaria de alcool, cigarro e maconha des dos dez anos de idade.

Disse que precisava 'urgente' falar comigo. Que eu era a pessoa mais 'certa' que apareceu naquele dia. Me confidênciou que naquela noite fugiria de casa. Havia discutido 'feio' com o pai que só viaja e quando volta pra casa, larga um monte de presentes , pega sua moto e sai a fazer trilha com os amigos.

Ela disse a ele que "não tinha pai", que ele não passava de uma "pessoa estranha" que esporadicamente pousava na casa dela. Rolou até troca de tapas na cara! Estava apenas esperando a caminhada . Assim que todos entrassem na escola para as apresentações, ela voltaria pra casa, pegaria a mochila que já estava pronta e fugiria.

Acabei não voltando à sede (fui adivertido pela desordem) fiquei e a acompanhei na procissão. Ficamos na frente da escola, sentados ao meio-fio, conversando coisas diversas e relembrando momentos engraçados dos acampamentos.

Pedi que não fugisse, porque a maior lição e decepção, o pai já havia tomado. Ser chamado de " tu não é meu pai!" e "tu é uma pessoa estrânha!!!" Nenhum pai deseja ouvir de um filho. Recomendei que por mais que tivesse vontade de responder ou 'dar-nos-dedos', evitasse qualquer comentário agressivo. Faça silêncio e vá pro quarto.

Na quinta- feira, em frente ao Ginásio Balduíno Weber, ela foi atravessar a rua correndo, por causa de uma chuva fina que caía não viu a única moto que vinha a menos de 40km/h e atropelou a moto. Teve uma luxação no tornozelo e engessaram seu pé.

Sábado, depois da reunião dos escoteiros, fui até sua residência ver como estava e levar os cumprimentos e votos de melhoras em nome do grupo de escoteiros. Ela estava decepcionada!

-Melhor seria, ter fugido na terça...

Contou que seguiu meu conselho  mas parecia que todos combinaram o mesmo. Havia um silêncio mórbido na casa, niguém falava, apenas trocavam  alhares. E agora estava com o gesso! Iria passar  20 dias na praia com a família e naquelas  condições ela seria obrigada a ficar em casa, sem poder sair com as amigas, aturando seus pais. "Com certeza vamos ficar nos ofendendo como sempre fazemos". "Tu acredita que nesta semana  me deram um quarto novo? Não quero um quarto novo! Quero um pai e uma mãe!"

Recomendei denovo que evitasse comentários agressivos. Ficar quieta diante de uma provocação, surpriende mais. Até porque, a outra pessoa espera que revide.

Disse a ela:

-Tu acredita em "milagre de natal"? Pois neste natal tu vai ganhar uma familia.

Em fevereiro, numa tarde em que fui à sede aparar a grama, ela apareceu. Sentamos num banco na frente da sede e ela me contava que aquele foi o melhor verão de toda a sua vida!

-Tu acredita que eu e meu pai não brigamos nenhuma vez? Teve um dia que ele me levou pra andar com a moto dele nas dunas. Eu caí. Travou o acelerador e a moto fez um barulhão. Ele veio correndo, pensei:"vou apanhar". Corri, né. Não sou boba ficar ali. Ele desligou a moto e foi ver se eu estava bem e durante o verão todo, ele não tocou no assunto. Cara... foi a coisa mais importante que me aconteceu. eu vi que pro meu pai, eu sou mais importante que a moto dele.

Falou isto com um brilho no olhar, que não lembro ter visto alguém tão feliz.
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